A aprovação do relatório final do Plano Nacional de Educação, que define as estratégias do setor para a década entre 2011 e 2020, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados gerou polêmica entre os educadores. Além do percentual do Produto Interno Bruto (PIB) destinado à Educação, que foi fixado em 8% (entidades de defesa pediam 10%), o documento aprovado no dia 5 de dezembro criou uma ressalva sobre a universalização do atendimento a alunos com deficiência. A meta número quatro diz que, caso não seja possível integrar esses estudantes em classes comuns, eles terão assegurado atendimento em escolas especiais.
A questão gera controvérsias: enquanto muitos educadores defendem a inclusão no ensino regular a todo custo, instituições especializadas acreditam que alguns alunos perdem tempo em salas comuns.
Referência no Brasil quando o assunto é a defesa do direito à educação, Maria Teresa Mantoan é grande crítica das escolas especiais. "Essas instituições excluem e não incluem. E, agora, o governo está propondo isso", afirma, ressaltando que considera o fato um grande retrocesso. "Beira o coitadismo. É dizer que uma pessoa com deficiência não tem condições de aprender no ensino regular", completa.
Professora há 50 anos, Maria Teresa começou sua carreira na área de educação especial. Foi depois de uma experiência como professora em Portugal que passou a considerar o ensino especializado uma forma de exclusão. Ela conta que começou a acreditar em uma escola acessível para todos quando conviveu um dia inteiro com um grupo de crianças que tinham um colega sem braços e sem pernas. De acordo com ela, o estudante conseguia participar de todas as atividades normalmente. Hoje militante pelas diferenças em ambiente de estudo, fundou o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade. "Uma sociedade justa, sem qualquer tipo de discriminação, começa na escola", diz.
As reviravoltas governamentais sobre o tema, porém, têm interferido em sua luta. "Acreditei no governo Dilma sobre a questão da educação para todos", afirma a professora, que foi homenageada pela presidente em março com a medalha da Ordem Nacional do Mérito. "É um momento muito decepcionante para mim. A escola regular deve trabalhar com a diferença e ter a capacidade de oferecer ensino de qualidade para qualquer tipo de aluno. Sem discriminação", completa.
Segundo a legislação brasileira, não se pode negar ou suspender, sem justa causa, a matrícula escolar de nenhum aluno, especialmente quando o motivo é a deficiência. Além disso, a justa causa não pode ser o fato de a escola não se sentir preparada para receber o aluno com necessidades especiais. Essa conduta é tida como crime desde 1989, e a pena ao infrator pode variar de um a quatro anos de prisão, mais multa. "A proposta do Plano Nacional de Educação está indo contra a convenção internacional", diz a educadora, referindo-se à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Constituição do País.
O relator do PNE, deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), diz que a meta número quatro visa a universalizar o atendimento escolar aos estudantes com deficiência na rede regular de ensino. Mas, caso não seja possível integrar esse aluno, será garantido para ele um atendimento por parte de instituições voltadas para pessoas com deficiência.
"Isso é um crime na educação. A possibilidade de não integração do estudante com deficiência não deveria existir. A escola tem de ser inclusiva e se adaptar às necessidades dos alunos¿, diz Maria Teresa, ressaltando que inclusão é mais do que ter rampas e banheiros adaptados. "Um bom projeto valoriza a cultura, a história e as experiências anteriores da pessoa. As práticas pedagógicas também precisam ser revistas".
'A educação especial complementa o ensino regular', afirma psicopedagogo
Autor de livros como Práticas Pedagógicas para a Inclusão e Diversidade e Autismo e Inclusão, o psicopedagogo Eugênio Cunha levanta a bandeira de apoio à meta número quatro do PNE. De acordo com ele, a legislação fala sobre o apoio especializado para atender as peculiaridades da educação especial, quando for necessário. "A educação no ensino especial não exclui a educação no ensino regular. Evidentemente, as necessidades do aluno dirão se é mais adequado estudar em uma escola regular, em uma especial ou nas duas, mas sempre objetivando a inclusão", explica.
Além disso, Cunha defende que o ideal é uma escola regular inclusiva, preparada física e pedagogicamente para receber qualquer tipo de aluno. Contudo, o educador afirma que o fato ainda é realidade distante no Brasil, principalmente em escolas públicas. Sendo assim, ele passa a questionar se é o aluno com necessidades especiais que deve sofrer as consequências de uma escola não inclusiva.
"Por exemplo, crianças autistas, na maioria das vezes, precisam de uma equipe multidisciplinar: terapeuta, fonoaudiólogo, psicopedagogo, nutricionista, dentre outros especialistas, além de metodologia específica, que nem sempre a escola regular possui, principalmente as públicas. O que sabemos é que boas escolas especiais fornecem todo esse cabedal educacional para o aluno com necessidades especiais", conclui.
Dados do Censo Escolar 2010 mostram que existem mais de 500 mil estudantes com deficiência física ou mental nas escolas públicas do País. Porém, apenas 30% das escolas de ensino médio e 12% das instituições de séries iniciais estão preparadas fisicamente para receber esses alunos.
Para Maria Teresa Mantoan, a escola brasileira ainda não está preparada totalmente para uma educação inclusiva, mas se encaminha para isso. Ainda assim, não acredita que a resposta esteja em instituições especializadas. "Essa preparação não irá acontecer antes para que só depois as pessoas com deficiência tenham acesso a escola. Essa preparação é constante, e ocorre no dia a dia, quando uma instituição tem que se adaptar para receber um estudante", diz.
Fonte:http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5549342-EI8266,00-Novo+Plano+de+Educacao+reacende+polemica+sobre+escola+especial.html
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