No Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, dia 21 de janeiro, foi realizada a V Marcha pela Vida e Liberdade Religiosa, pelo Centro Histórico de Porto Alegre | Foto: Divulgação/PGE
Rachel Duarte
Os governos federal e do Rio Grande do Sul pretendem enfrentar a intolerância religiosa no Brasil com a criação de Comitês de Diversidade Religiosa. A intenção é reunir os representantes das diversas manifestações de fé (e de não-crença também, na forma dos ateus) para discutir formas de proteção contra violação dos direitos humanos de fundo religioso. O Comitê de Diversidade Religiosa foi lançado nesta segunda-feira (21), pela própria ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. O ato foi conjunto com o governo gaúcho e realizado no Palácio Piratini.
De acordo com a diretora de Direitos Humanos da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), Tâmara Soares, o decreto de criação do Comitê de Diversidade Religiosa assinado por Tarso Genro já vinha sendo discutido há seis meses. Algumas representatividades religiosas foram convidadas para este diálogo, entre eles, os evangélicos e religiosos de matriz africana. “Criamos também um GT para os Povos de Terreiro. Eles estão com 80 terreiros ameaçados com as obras da Copa do Mundo”, fala.
O foco serão as denúncias de violências contra pessoas praticantes de religiões e lugares de religiões, o que já vem acontecendo com os evangélicos no RS, afirma a diretora. Ela salienta ainda que a composição do comitê será feita pela inscrição livre das religiões interessadas. Nos próximos 30 dias, todos os interessados em participar devem manifestar o interesse ao governo estadual. “Nos sugeriram que deixássemos o processo em aberto para que as religiões pudessem se manifestar livremente. Se nós fossemos listá-las dificilmente conseguiríamos alcançar a pluralidade”, explica.
Assinatura do Comitê de Diversidade Religiosa do RS contou com presença de ministra Maria do Rosário | Foto: Raffaela Monteiro/PGE
Existem, no entanto, críticas ao modo como os comitês foram constituídos. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Sottomaior, a iniciativa federal está sendo sobreposta a outra já em desenvolvimento junto a Secretaria Nacional de Direitos Humanos. “Foi um relançamento, porque já existe um comitê, do qual nós fazemos parte. Ficamos sabendo da criação deste novo faz dois dias. Foi algo abrupto e que gerou aborrecimentos com outras representatividades”, fala, citando a manifestação da comunidade budista contra a criação de um novo comitê.
Sottomaior fala que o organismo já funcionava no âmbito federal de forma a garantir a presença dos ateus e outras entidades que geralmente não são bem recebidas em fóruns religiosos. “Cobrávamos há tempos a nomeação dos integrantes via portaria e agora somos surpreendidos com um edital para seleção dos representantes que estarão neste novo comitê. Eu só posso pensar que há alguma necessidade política que nós não estamos sabendo. Até porque, no programa que nós vínhamos discutindo, não estava prevista a concessão de passaporte diplomático para evangélicos”, critica o representante ateísta. Na visão de Sottomaior, a composição dos futuros organismos acabará sendo balizadora de sua eficiência.
Evangélicos tem GT e assessoria especial no governo gaúcho
O segmento evangélico compreende quase 25% dos brasileiros. Em 2030, segundo projeções do censo do IBGE, a comunidade evangélica alcançará o mesmo número de católicos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a religião tem espaço no governo de Tarso Genro: desde o início de sua gestão funciona junto ao gabinete do governador uma Assessoria de Assuntos Evangélicos. O responsável, pastor Ederson Fernandes, explica que trata-se de um espaço para tratar “das demandas evangélicas junto ao estado”.
“Assinamos no mês passado (dezembro de 2012) um decreto para instituir um Grupo de Trabalho de pastores evangélicos para discutir mais efetivamente as questões junto ao governo”, salientou. A principal parceria, segundo ele, se dará na promoção de ações de combate às drogas, linha de frente onde evangélicos atuam tradicionalmente. O pastor afirmou ao Sul21ainda não estar plenamente inteirado do Comitê de Diversidade Religiosa gaúcho.
“Estamos cientes de que, muitas vezes, algumas religiões são justificativa para violência ou discriminação”, diz diretora da SJDH-RS | Foto: Divulgação/PGE
Israelitas foram primeiros a manifestar interesse nos comitês
A Federação Israelita do RS se diz entusiasmada com a iniciativa e buscará assento para o judaísmo nos dois comitês. “Nós nos colocamos à disposição da ministra (Maria do Rosário) e do secretário de Justiça e Direitos Humanos do RS (Fabiano Pereira). Nós já fazemos um trabalho social junto às comunidades e temos raízes comuns com o cristianismo, é extraordinário podermos ter um órgão que promova o conhecimento de todas as religiões”, afirma.
Segundo Cardoni, o respeito à diversidade religiosa já é um princípio dos israelitas. “A maioria dos princípios das diferentes religiões são comuns. Termos um órgão oficial para discutirmos a intolerância sempre foi nosso desejo. A maior fonte de preconceito é a ignorância, temos que dialogar”, fala.
Para o pastor evangélico Ederson Fernandes, a laicidade do estado não estará ferida com a criação de um organismo de diálogo inter-religioso. “O estado é laico. Então todos têm o direito a suas práticas e ao diálogo”, salienta.
Algumas discriminações a grupos sociais muitas vezes são motivadas pelos dogmas religiosos, o que também será discutido no Comitê de Diversidade Religiosa do RS, garante a diretora Tâmara Soares. “As práticas religiosas fomentadas em diferentes tradições tem que ser pautadas pelo respeito ao outro de professar ou não sua religião e exercer sua liberdade. Não será função do estado interferir nestas práticas, mas orientar sobre uma prática comum de respeito para com o outro. Estamos cientes de que, muitas vezes, algumas religiões são justificativa para violência ou discriminação”, diferencia a diretora.
Segundo presidente da Atea, comitês podem servir tanto ao “bem quanto ao mal” | Foto: Arquivo Pessoal
“Comitês para lutar pela laicidade geram problemas políticos”, crítica Atea
A representatividade do futuro Comitê de Diversidade Religiosa do RS não deverá ultrapassar 50 pessoas. Não haverá duplicidade de membro de uma mesma religião dentro do comitê. A divisão dos trabalhos será por comissões temáticas, que trabalharão periodicamente, e serão promovidas reuniões bimestrais com todo o pleno do Comitê para debater assuntos de forma mais ampla.
Já o Comitê de Diversidade Religiosa nacional ainda será formatado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Uma reunião para discutir o formato foi realizada nesta terça-feira (22), em Brasília, mas até o fechamento desta matéria o Sul21 não teve retorno do governo federal sobre o tema.
Na avaliação do presidente da Atea, Daniel Sottomaior, um comitê que lute pelo estado laico é um problema político para os governos, por isso não conta com a participação dos atores que podem ‘ir muito longe’ nos debates sobre religião e laicidade. “Porque o agente que fere a laicidade é o próprio estado. É dar um tiro em si mesmo. O problema é que a bancada religiosa gera leis em seu benefício e que violam a laicidade do estado recorrentemente. Então, estes comitês podem ser usados tanto para o ‘bem’ como para o ‘mal’. Tememos que eles sirvam para entranhar os interesse religiosos do estado. Mas não podemos julgar de antemão. Temos que esperar para ver a linha que os governos darão”, ressalva.
Fonte:http://www.sul21.com.br/jornal/2013/01/comites-de-diversidade-religiosa-querem-combater-intolerancia-com-dialogo/
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