Lei Carolina Dieckmann começa a vigorar hoje, mas caso que teve como cerne Bauru e região continua parado
Vitor Oshiro
Neide Carlos
O perito José Antônio Milagre critica as possibilidades de dupla interpretação em alguns pontos da lei | |
Entra em vigor hoje a lei 12.737, que, finalmente, dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos. A lei foi batizada de Carolina Dieckmann justamente pelo vazamento de fotos íntimas da atriz em 2012. O fato, que ganhou repercussão nacional, teve como cerne Bauru e região, uma vez que o acusado de chantagear a atriz é um adolescente da cidade. Apesar do grande alarde na época, até agora, quase um ano depois, o caso parece emperrado.
O vazamento das fotos estourou em 11 de maio, quando policiais da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), do Rio de Janeiro, vieram até Macatuba (46 quilômetros de Bauru) e interrogaram Diego Fernando Cruz, 25 anos. Ele teria confessado que repassou 36 fotos da atriz nua a um site de pornografia.
Os policiais foram ainda até a casa de um adolescente de 17 anos - que tem a identidade mantida sob sigilo - morador de Bauru. De acordo com a polícia carioca, ele é o principal suspeito de ter chantageado em R$ 10 mil a atriz para que fotos íntimas não fossem divulgadas.
Além do adolescente bauruense e do jovem de Macatuba, mais duas pessoas que moram em outros Estados também foram apontadas como envolvidas: Leonan Santos, 20 anos, e Pedro Henrique Matias.
O caso, entretanto, não teve respostas até hoje. No dia 24 de setembro, cinco meses após o ocorrido, o adolescente foi até a Delegacia Seccional de Bauru, onde seria ouvido por meio de carta precatória.
Na ocasião, entretanto, o jovem nada disse. Só chegaram os requisitos - perguntas - da carta precatória e, por conta disso, o advogado criminal Sidney Nery, que defende o adolescente bauruense, argumentou que ele só responderia quando a defesa tiver total acesso aos autos do processo.
“Ele não se negou a responder. Mas era necessário conhecer o processo. Temos, desde o início, a certeza de que ele é inocente”, aponta o advogado.
Com a solicitação, veio mais demora e que se prolonga até hoje. “Até agora, não houve qualquer nova movimentação”, confirmou, ontem, o delegado seccional Marcos Mourão.
A assessoria de comunicação da Polícia Civil do Rio de Janeiro se limitou a dizer que a precatória realmente voltou a pedido do advogado de defesa do adolescente, contudo, não deu mais prazos.
Outros envolvidos
As mesmas incógnitas giram em torno do processo dos outros envolvidos, incluindo Diego Fernando Cruz, o jovem de Macatuba. José Antônio Milagre, advogado e perito especialista em crimes digitais, é quem defende o garoto. Para ele, foi feito um pré-julgamento dos acusados, mesmo sem provas.
“Acredito que não vai dar em nada. Esses jovens foram expostos e tiveram grandes prejuízos. Não foi provado nada até agora. Eles nem tiveram possibilidade de se defender formalmente”, aponta o advogado.
Milagre critica ainda o fato de os computadores de seu cliente terem sido levados pela polícia e ele não ter tido acesso até agora aos mandados de busca e apreensão. “Repito: não vai dar em nada. E não é por falta de legislação. É por falta de provas mesmo”, afirma José Antônio Milagre, complementando que os envolvidos não irão se enquadrar na Lei Carolina Dieckmann, que passa a valer hoje.
A assessoria de comunicação da Polícia Civil carioca não comentou os detalhes da apuração do caso. O órgão se reservou a dizer que o delegado responsável afirmou que as investigações continuam.
Especialista alerta que lei não vale para dispositivos sem segurança
Batizada de Carolina Dieckmann, a lei 12.737 altera o Código Penal. Ela estava em discussão há anos, porém, foi agilizada pelo caso da atriz. Agora, estão previstos tópicos sobre violação de equipamentos e sistemas - sejam eles conectados ou não à internet - com intenção de destruir dados ou informações, ou instalar vulnerabilidade.
José Antônio Milagre, advogado e perito especialista em crimes digitais, contudo, faz uma ressalva: equipamentos que não ofereçam proteção não são abrangidos pela lei. “O texto fala em violação. Por isso, a partir de amanhã (hoje), as pessoas precisam instalar dispositivos de proteção”.
Ele explica que esses dispositivos vão além de simples antivírus. “Por exemplo, um wireless (rede sem fio) precisa ter uma senha. Já um disco pode ser criptografado. Vale destacar que, se não for uma invasão forçada, não há crime”.
As penas variam conforme a gravidade dos casos. Nos menos graves, como unicamente a invasão, varia de três meses a um ano de prisão e multa.
Já a invasão para obter “comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas” pode gerar, além de multa, pena de três meses a dois anos de prisão. Também é considerado crime grave se houver divulgação, comercialização ou envio das informações obtidas na invasão.
“As penas ainda são muito brandas. Na Europa, por exemplo, elas chegam a mais de 10 anos”, complementa Milagre. Contudo, a crítica principal é em relação a muitos termos de duplo sentido no texto.
“A lei prevê que é crime oferecer ou distribuir programas que possibilitem violações. O problema é que toda empresa de segurança trabalha com esses programas. Será preciso muito bom senso de autoridades para que inocentes não sejam denunciados”, alerta o perito.
Outros artigos
Além de incluir o crime de invasão de equipamentos, a Lei Carolina Dieckmann modifica ainda dois artigos do Código Penal. Agora, é crime a “interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública”. Tal estratégia é muito utilizada por grupos de hackers.
Outro artigo modifica o modo como o cartão bancário é concebido em um processo. Com a lei, eles passam a ser equiparados a documentos particulares em casos de falsificação.
“Não dá para imaginar que essa lei vai resolver tudo. Falta muito ainda. Falta, principalmente, estrutura para investigação”, finaliza o perito José Antônio Milagre.
Congresso em Bauru
Para esclarecer os detalhes sobre a Lei Carolina Dieckmann, Bauru sediará um congresso no próximo dia 13. O I Congresso de Direito Digital e Segurança Informática contará com quatro especialistas na área.
O evento será realizado na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Bauru e a inscrição pode ser feita pelo telefone (14) 3227-3636. A taxa é uma lata ou caixa de leite em pó integral de 400 gramas.
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