quarta-feira, 8 de maio de 2013

Elas contra a ditadura


Durante o regime militar, três brasileiras usaram o cinema para exaltar a liberdade das mulheres. A produção dessas cineastas foi objeto de estudo de uma historiadora de Santa Catarina.
Por: Marina Sequinel
Elas contra a ditadura
Política e liberação sexual das mulheres marcam a obra das cineastas Helena Solberg, Tereza Trautman e Ana Carolina. Esta última usou a ironia para combater a ditadura em produções como a trilogia em destaque. (foto: reprodução)
Na década de 1970, em pleno regime totalitário, três brasileiras ousaram levar para o cinema o debate sobre a emancipação política e sexual das mulheres. Cada uma usou uma estratégia diferente para tratar a questão.
Enquanto Tereza Trautman enfrentou o julgamento moral do regime ao produzir um filme sobre a liberação sexual feminina, Helena Solberg deixou o Brasil para realizar documentários de cunho político, que davam destaque às condições do trabalho feminino. Já Ana Carolina, engajada no cinema autoral, driblou a censura com roteiros irônicos sobre a opressão às mulheres.
A produção dessas cineastas foi o tema da tese de doutorado da historiadora Ana Maria Veiga, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O foco do estudo está no contraponto entre o movimento feminista e a ditadura no país.
Influências: Neorrealismo italiano, Nouvelle Vague francesa, Cinema Novo brasileiro e movimento feminista
Neorrealismo italiano, a Nouvelle Vaguefrancesa e o Cinema Novo brasileiro são apontados pela autora como movimentos que influenciaram as cineastas, levando-as a usar a sétima arte como instrumento em favor de uma revolução política e social. Além de traçar um perfil dessas vertentes cinematográficas, Veiga destaca na tese a influência de diretoras de outros países na obra das cineastas.
A chamada ‘condição feminina’ é, segundo Veiga, a temática principal das diretoras brasileiras. “É o que as unifica”, afirma. “Todas elas foram muito influenciadas pelo movimento feminista.”  


Trabalhadoras

Em 1971, Helena Solberg trocou o Brasil pelos Estados Unidos. Longe da ditadura e da censura, pôde trabalhar com mais autonomia. Acompanhando a contracorrente política e transcendendo sua inspiração inicial no Cinema Novo, retratou em seus documentários mulheres pobres e trabalhadoras da América Latina.
Essa temática é vista, por exemplo, em seus dois primeiros trabalhos, La doble jornada(A dupla jornada) e Simplemente Jenny. Em 1982, Solberg voltou ao país para rodarBrazilian connection (A conexão brasileira), que trata dos 18 anos de ditadura militar.
Mas o trabalho da cineasta não foi exibido no Brasil naquela época, exceto La doble jornada, que teve uma sessão para poucos espectadores no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1977. 


Ironia

Já Ana Carolina se posicionou contra a ditadura por meio da ironia. “Ela tinha um jogo de cintura que a ajudou muitas vezes a escapar da censura”, explica a historiadora. Na trilogia Mar de rosasDas tripas coração e Sonho de valsa, usou a linguagem popular para combater a opressão militar e exaltar a liberdade das mulheres.
Das tripas coração teve como tema a liberação das fantasias sexuais dentro de um colégio de freiras. O filme, com cenas que mostram o desejo homossexual feminino, foi considerado imoral, um atentado contra a igreja católica. Interditado durante quase um ano, finalmente foi liberado na íntegra para exibição nos cinemas.

Veja trecho do filme Das tripas coração, de Ana Carolina


Liberação sexual

Com a produção de Os homens que eu tive, de 1973, Tereza Trautman pregou a liberação sexual feminina, o direito ao corpo e aos desejos. Em um cenário marcado, no Brasil, pela pornochanchada, Trautman contou a história de uma mulher casada que saía com outros homens, com o consentimento do marido. O filme foi interditado pela censura e liberado apenas sete anos depois, quando a temática já não era mais tão polêmica.
Os homens que eu tive
Segundo a historiadora da UFSC, Trautman combateu a moralidade do regime de forma direta e até hoje lembra a interdição como algo que prejudicou sua carreira. “Dá para perceber que os olhos dela cospem fogo quando fala sobre a censura”, conta Veiga, que entrevistou Trautman e Solberg durante a elaboração da tese.

“Conversar com elas foi uma experiência importante, pois me permitiu conhecer em detalhe a diversidade dos temas que trataram, as abordagens que usaram e as maneiras de filmar de cada uma.”
A historiadora lamenta não ter falado com Ana Carolina. Ultimamente, segundo Veiga, a cineasta não tem concedido entrevistas. “Tentei me comunicar com ela, mas não foi possível.” Veiga usou depoimentos da diretora que encontrou em arquivos da Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
“Meu principal objetivo foi jogar um pouco de luz sobre uma página importante do cinema nacional”
“Meu principal objetivo foi jogar um pouco de luz sobre uma página importante do cinema nacional, pois essas produções fazem parte não só da história do nosso cinema, como também da história do país”, afirma Veiga.
A tese exigiu quatro anos de pesquisa, durante os quais a historiadora estudou os filmes das cineastas, além de consultar revistas de crítica cinematográfica e jornais da época.

Marina SequinelCiência Hoje On-line/ PR
Fonte:http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/sobrecultura/2013/05/elas-contra-a-ditadura

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