terça-feira, 16 de outubro de 2012

DIREITO PENAL - Abandono Intelectual


Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa.

No crime de abandono material existem quatro figuras típicas mas, na verdade, trabalha-se somente com duas (a primeira e a segunda), pois a terceira está embutida na primeira e a quarta está embutida na segunda. A primeira figura típica é "deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou valetudinário, não lhes proporcionando os recursos necessários".
Deixar de prover a subsistência, em Direito Penal, tem uma conotação restrita: significa deixar de prestar os recursos necessários para que a pessoa sobreviva. Os alimentos da lei civil têm uma conotação mais ampla: são os recursos necessários para a alimentação, o vestuário, a habitação, a saúde, a educação e a recreação. O crime de abandono material se refere aos recursos para a subsistência (sobrevivência): alimentação, vestuário, habitação e saúde (não engloba a educação e a recreação).
No entanto, se um pai não manda o filho em idade escolar à escola, existe o crime de abandono intelectual.
caput do art. 227 da CRFB/88 determina que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estado, de acordo com o art. 208 da CRFB/88, tem o dever de garantir o ensino fundamental (primeiro grau) obrigatório e gratuito. O dever do Estado é construir e prover vagas nas escolas.
O crime de abandono material, portanto, configura-se quando os pais, sem justa causa, deixam de prover à instrução fundamental (primeiro grau) aos filhos em idade escolar. Havendo escolas, a obrigação dos pais é mandar os filhos à escola.
Se o Estado não criar escolas (ou se não houver vaga), pode-se recorrer ao Ministério Público. Segundo o art. 129 da CRFB/88, uma das funções do MP é a defesa dos interesses coletivos e dos interesses individuais homogêneos. A escola é um interesse, pelo menos, individual homogêneo. O MP poderá entrar com uma ação civil pública ou com um mandado de segurança contra o ente federativo (pois tal dever é concorrente) exigindo este direito.
O mesmo ocorre com relação à saúde. Segundo a CRFB/88, a saúde é dever do Estado. Se um indivíduo hipossuficiente tem uma doença crônica que necessita de medicação contínua (por exemplo, AIDS ou insuficiência renal), ele terá direito a tais medicamentos e, na falta do cumprimento do dever do Estado, ele poderá, através da Defensoria Pública, requerer que este direito seja satisfeito. A Defensoria Pública poderá entrar com um mandado de segurança contra o ente federativo (pois tal dever é concorrente).

CRIME DE ABANDONO INTELECTUAL
  • BEM JURÍDICO PROTEGIDO: o direito dos filhos de terem acesso a uma formação intelectual mínima (ensino fundamental, ou seja, primeiro grau).
  • SUJEITO ATIVO: somente os pais. O menor, até os dezoito anos, está sob o pátrio poder, que é exercido pelos pais, em condições de igualdade (CRFB/88). Se o menor não tem pais, ou caso estes tenham perdido o pátrio poder, que deverá zelar pela sua educação é o tutor. O tutor, então, teria o dever de mandar o menor à escola. No entanto, o legislador penal não considerou o tutor como sujeito ativo deste crime (só há previsão legal quanto aos pais). Não há como encaixar o tutor como sujeito ativo deste crime, devido ao princípio da legalidade (art. 1º do CP), segundo o qual não é possível a interpretação extensiva ou analógica em se tratando de norma penal incriminadora. O ascendente deve prover a instrução fundamental, ainda que o filho não esteja em sua companhia; se os pais são separados, e o filho mora com a mãe, e esta não o manda à escola, ela estará praticando o crime de abandono material, mas se o pai, que sabe da situação e nada faz, também estará praticando este crime, porque ele continua no exercício do pátrio poder. O pai, neste caso, pode atravessar uma petição ao juiz da vara de família dizendo que seu filho está em idade escolar e não está indo à escola e pedindo que a mãe dele, que tem a guarda, o mande à escola ou dê a sua guarda para ele. Se o pai se omite, ele responderá também pelo crime.
  • SUJEITO PASSIVO: filhos em idade escolar. A idade escolar é dos 7 aos 14 anos.

Para se chegar à conclusão de que o ensino fundamental compreende a educação de primeiro grau, e que a idade escolar vai dos 7 aos 14 anos, deve-se recorrer àLei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96). O seu art. 6º determina que os pais têm que prover a matrícula obrigatória dos filhos menores a partir dos 7 anos, no ensino fundamental obrigatório, que tem a duração mínima de oito anos. Portanto, a criança, iniciando os estudos aos 7 anos, e estudando durante oito anos, terminará o ensino fundamental aos 14 anos. O ensino fundamental, portanto, abrange o primário e o ginásio (primeiro grau).

ANÁLISE DA CONDUTA DO CRIME DE ABANDONO INTELECTUAL
  • O tipo penal fala em "deixar de prover". Este crime é praticado por omissão, e só pode ser praticado pelos pais: é um crime omissivo próprio. O sujeito ativo se omite, deixando de praticar a conduta que ele tem que praticar. Este crime se realiza por um comportamento negativo: o sujeito ativo deixa de fazer aquilo que ele tem obrigação de fazer.
  • Este crime se consuma no instante em que começa o ano letivo, e o filho não foi matriculado.
  • Este crime não admite tentativa (o crime omissivo próprio não admite tentativa).
  • O tipo penal fala em "sem justa causa". Trata-se de elemento normativo do tipo (exige um juízo de valor). Sendo a causa justa, o crime não existirá pois faltará uma das suas elementares ("sem justa causa"). Se o pai não matricula o filho porque não existe escola no local, a causa é justa. Se o pai não matricula porque não há vaga, a causa é justa. Nestes casos, quem falhou foi o Estado, e não o pai. O pai não pode deixar de matricular o filho porque a escola é longe e ele não tem condições financeiras de enviá-lo, pois atualmente ele pode contar com passagens gratuitas e com outros benefícios ("Bolsa Escola", por exemplo).
Fonte: http://www.licoesdedireito.kit.net/penal/penal-abintelectual.html

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